Na espera, a melodia

Era um menino doce e presepeiro quando eu o conheci há 30 anos atrás. Filho de um sanfoneiro aqui da cidade de Patos de Minas, naquela época nem luz elétrica nós tínhamos. Morávamos numa casa geminada da família deles: eu, pai e mãe; ele, pai, mãe e seis irmãos.
Mas era ele quem corria sempre até o quintal para pedir ao sanfoneiro que o levasse junto em suas viagens. Ele poderia ajudar, queria ajudar, queria ver mais do talento do pai. E cada semana que se passava, cada semana ele contava, a cuidar da casa como se fosse o senhor dali. E, na hora do retorno, sempre estava no portão a esperar pela música que ia surgindo do final da rua, versos entoando a antiga canção "tu me ensinas a fazer renda, que eu te ensino a namorar".
No início, a viagem levava uma semana. Depois, duas, um mês. As pessoas pararam de contar quando se passou um ano e não se teve mais notícias da melodia. O menino, contudo, acreditava firmemente que o pai voltaria: 365 dias se passaram, 365 dias estava ele a esperar.
O tempo é por demais longo para os que esperam. O irmão pegou tuberculose, a mãe definhou, a irmã fugiu de casa, um deles se afogou, os mais novos precisavam, os mais velhos trabalhavam, não tinha mais solução, e assim acabou-se a espera no portão. Quem se fazia senhor dali na ausência do pai, cresceu 10 anos em um. E foi vendo a vida passar enquanto batalhava para sobreviver.
Hoje, se foram 30 anos. Lembro-me ainda da casa conjugada e da história dele. Me mudei mais pro fim da rua, ele mora no mesmo lugar: a irmã que sobrou, esposa, quatro filhos e uma sanfona jogada de lado, junto das memórias que ele não se permite lembrar.
Todo dia, sai de casa, trabalha e passa no boteco de seu João: põe uma ficha na antiga viola que toca uma música familiar; duas cachaças que fazem amargar a garganta... na verdade, as pessoas se perguntam o que é mais amargo na história: a cachaça, ou o menino dos sonhos e amor despedaçado.


"Desde que te foste, desde que partiste, /tu me destruiste em todo o meu vigor: /já não sou mais nada, sou uma folha morta, /nada me conforta, nada me compraz. /Quando foste embora do meu doce abrigo, /também foi contigo toda a minha paz." (Triste Abandono - Irmãs Galvão)

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